Imagino como deve ser difícil para o recém-nascido, que se encontrava no
útero, tendo praticamente todas as suas necessidades satisfeitas e sofrendo
mínimas interferências externas, de repente, se deparar e ter que se adaptar ao
mundo externo - à fome, à luz, aos sons, aos cheiros, ao frio, ao calor, etc. Se
fosse possível, talvez nesse momento inicial da vida extrauterina, muitos escolheriam
voltar ao útero, pois ele é sinônimo de aconchego, afeto, paz, continência e
segurança.
Logo após o nascimento, iniciam-se outras sucessivas perdas, como por
exemplo, perder: o seio materno, o colo da mamãe, a tão deliciosa chupeta, ter
que abandonar nossos “paninhos” ou “ursinhos”, ter que se separar dos pais ao ficar
numa creche, dentre outras. Em alguns casos, as perdas iniciais podem ser muito
mais significativas, como ser abandonado pelos pais ou ainda vivenciar a morte
deles no período que ainda somos extremamente dependentes do seu amor e de seus
cuidados.
Podemos supor que é a partir dessas perdas e separações ocorridas na
primeira infância, que começamos a adquirir a capacidade de elaboração de
separações e lutos, que enfrentaremos durante toda nossa vida. Vale ressaltar,
que quanto mais formos bem acolhidos no mundo e amados pelos nossos pais ou
pessoas que cumpriram sua função, mais adquiriremos suporte emocional para superar
as realidades e perdas difíceis que enfrentaremos por toda a vida.
Já
na fase adulta, quando perdemos algo ou alguém que é muito importante para nós,
como um namorado (a), um cônjuge, um membro familiar, etc., nos deparamos
inevitavelmente com o desamparo humano, que consiste na impossibilidade humana
de mudar algumas coisas, dentre elas - a morte.
É a intensidade do nosso
desamparo que nos colocará diante dos inúmeros sentimentos e sensações que nos
acometerão durante todo o processo de elaboração do luto. Podemos afirmar que quanto
mais tivermos o amparo internalizado em nós, mais tranquilo será esse processo
de elaboração, ao contrário, quanto mais somos desamparados, mais difícil será
a reorganização psíquica que precisamos empreender após uma perda significativa.
Dentre as fases do luto, é
comum inicialmente entrarmos num estado de choque, principalmente quando a
notícia vem de forma abrupta e inesperada, nesses casos, algumas pessoas chegam
a sentir-se fora do seu corpo, como se estivesse sonhando. Alguns até negam
para si o fato, numa tentativa de não entrar em contato com a realidade tão dura
e cruel. O problema é que fugir e negar a realidade não resolverá os impasses
ocasionados pela perda sofrida; precisamos então, lidar com a morte e com as perdas
de outras maneiras, já que as mesmas são inevitáveis.
Logo após tomarmos consciência da perda
sofrida, alguns podem sentir raiva, pois aquele que perde alguém, ao mesmo
tempo em que o ama, também passa a odiá-lo devido o abandono involuntário
sofrido; as próprias relações humanas são permeadas por ambivalências, são
cheias de amor e ódio, e diante de uma perda, todas essas ambivalências se
apresentam de forma sagaz.
Outro sentimento muito
comum nesses momentos é a culpa, pois de fato, vivemos num mundo no qual o ter
tem se sobressaído ao ser, no qual as relações humanas estão enfraquecidas; muitas
pessoas passam dias sem se relacionar de fato umas com as outras. É nesta hora
difícil da perda, que vamos nos questionar: Por que não fizemos diferente? Porque
não dissemos ao outro que o amávamos? Por que não deixei de fazer alguma coisa
adiável para estar mais tempo com aquela pessoa que perdemos? Eu queria mais
tempo. E então... Diante das falhas humanas, sentir culpa é inevitável. Que essa culpa sentida sirva para refletirmos
sobre nossas ações e para procurarmos agir de forma diferenciada nas outras
relações que ainda nos restam.
Em casos mais graves,
quando o enlutado era extremamente dependente daquele que perdeu, pode aparecer
uma desorganização mais significativa, na qual o desespero se faça presente,
muitas vezes acompanhada de apatia, desejo de morte e de pensamentos de que a
vida não possui mais sentido. Nesses casos específicos devemos levar em
consideração a necessidade de oferecermos um suporte maior a essas pessoas, que
precisaram de muito mais amparo para elaborarem a perda sofrida.
É importante ressaltar
que o falecido (a) jamais morrerá; independente de crença religiosa de cada um,
de acreditarmos na vida eterna, ressurreição ou reencarnação, é fato que a
pessoa sempre viverá dentro de nós, pois foi internalizada; seus ensinamentos,
suas qualidades e até mesmo seus defeitos se fazem presentes dentro de nós,
mesmo que não percebamos. Como a música de um cantor famoso que já faleceu há anos,
faz esse cantor permanecer vivo até os dias atuais, a vida e a obra dos
anônimos também os fazem permanecerem vivos entre e dentro de nós.
Cabe aos enlutados, no ensejo de reorganização psíquica, fazerem
ressignificações, separarem dentro de si o mal do bem, buscarem dar vida às
lições positivas que aqueles que se foram ensinaram, e utilizarem as boas lembranças
para planejarem de forma mais consciente e racional o futuro, suas relações
humanas, afim de que, sejam mais assertivos e humanos em suas vivencias e
relações.
Vale ressaltar ainda, a importância da expressão dos afetos no período
de elaboração de luto, que os laços entre os que ficaram sejam fortalecidos,
que busquem darem e receberem o perdão, que o amor possa nutrir e curar os corações
feridos. A você que lê este breve artigo e que está vivendo uma situação de
perdas e lutos. Se não está conseguindo sozinho elaborar bem tudo isso, é
importante que você procure ajuda, seja profissional psicológica ou não, pois, viver
como um “morto-vivo” é muito mais cruel do que a própria morte.
Escrito por: André Luiz Gonçalves da Silva. Psicólogo Clínico. CRP 06/112291. Mestre em Psicologia Clínica - Psicanálise - PUC / SP. Consultório: ARARAQUARA - SP. Tel.: 16-98156-6087
Escrito por: André Luiz Gonçalves da Silva. Psicólogo Clínico. CRP 06/112291. Mestre em Psicologia Clínica - Psicanálise - PUC / SP. Consultório: ARARAQUARA - SP. Tel.: 16-98156-6087
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