sexta-feira, 16 de junho de 2017

SOBRE PERDAS, MORTE E LUTO



Desde nosso nascimento nos deparamos com diversas situações de perdas e elaborações de lutos - que consistem nos processos de manejo e superação da perda sofrida. Talvez nosso primeiro grande luto ocorra de forma inconsciente, quando somos retirados ou expelidos do útero materno.
Imagino como deve ser difícil para o recém-nascido, que se encontrava no útero, tendo praticamente todas as suas necessidades satisfeitas e sofrendo mínimas interferências externas, de repente, se deparar e ter que se adaptar ao mundo externo - à fome, à luz, aos sons, aos cheiros, ao frio, ao calor, etc. Se fosse possível, talvez nesse momento inicial da vida extrauterina, muitos escolheriam voltar ao útero, pois ele é sinônimo de aconchego, afeto, paz, continência e segurança.
Logo após o nascimento, iniciam-se outras sucessivas perdas, como por exemplo, perder: o seio materno, o colo da mamãe, a tão deliciosa chupeta, ter que abandonar nossos “paninhos” ou “ursinhos”, ter que se separar dos pais ao ficar numa creche, dentre outras. Em alguns casos, as perdas iniciais podem ser muito mais significativas, como ser abandonado pelos pais ou ainda vivenciar a morte deles no período que ainda somos extremamente dependentes do seu amor e de seus cuidados.
Podemos supor que é a partir dessas perdas e separações ocorridas na primeira infância, que começamos a adquirir a capacidade de elaboração de separações e lutos, que enfrentaremos durante toda nossa vida. Vale ressaltar, que quanto mais formos bem acolhidos no mundo e amados pelos nossos pais ou pessoas que cumpriram sua função, mais adquiriremos suporte emocional para superar as realidades e perdas difíceis que enfrentaremos por toda a vida.
            Já na fase adulta, quando perdemos algo ou alguém que é muito importante para nós, como um namorado (a), um cônjuge, um membro familiar, etc., nos deparamos inevitavelmente com o desamparo humano, que consiste na impossibilidade humana de mudar algumas coisas, dentre elas - a morte.
É a intensidade do nosso desamparo que nos colocará diante dos inúmeros sentimentos e sensações que nos acometerão durante todo o processo de elaboração do luto. Podemos afirmar que quanto mais tivermos o amparo internalizado em nós, mais tranquilo será esse processo de elaboração, ao contrário, quanto mais somos desamparados, mais difícil será a reorganização psíquica que precisamos empreender após uma perda significativa.
Dentre as fases do luto, é comum inicialmente entrarmos num estado de choque, principalmente quando a notícia vem de forma abrupta e inesperada, nesses casos, algumas pessoas chegam a sentir-se fora do seu corpo, como se estivesse sonhando. Alguns até negam para si o fato, numa tentativa de não entrar em contato com a realidade tão dura e cruel. O problema é que fugir e negar a realidade não resolverá os impasses ocasionados pela perda sofrida; precisamos então, lidar com a morte e com as perdas de outras maneiras, já que as mesmas são inevitáveis.
 Logo após tomarmos consciência da perda sofrida, alguns podem sentir raiva, pois aquele que perde alguém, ao mesmo tempo em que o ama, também passa a odiá-lo devido o abandono involuntário sofrido; as próprias relações humanas são permeadas por ambivalências, são cheias de amor e ódio, e diante de uma perda, todas essas ambivalências se apresentam de forma sagaz.
Outro sentimento muito comum nesses momentos é a culpa, pois de fato, vivemos num mundo no qual o ter tem se sobressaído ao ser, no qual as relações humanas estão enfraquecidas; muitas pessoas passam dias sem se relacionar de fato umas com as outras. É nesta hora difícil da perda, que vamos nos questionar: Por que não fizemos diferente? Porque não dissemos ao outro que o amávamos? Por que não deixei de fazer alguma coisa adiável para estar mais tempo com aquela pessoa que perdemos? Eu queria mais tempo. E então... Diante das falhas humanas, sentir culpa é inevitável.  Que essa culpa sentida sirva para refletirmos sobre nossas ações e para procurarmos agir de forma diferenciada nas outras relações que ainda nos restam.
Em casos mais graves, quando o enlutado era extremamente dependente daquele que perdeu, pode aparecer uma desorganização mais significativa, na qual o desespero se faça presente, muitas vezes acompanhada de apatia, desejo de morte e de pensamentos de que a vida não possui mais sentido. Nesses casos específicos devemos levar em consideração a necessidade de oferecermos um suporte maior a essas pessoas, que precisaram de muito mais amparo para elaborarem a perda sofrida.
É importante ressaltar que o falecido (a) jamais morrerá; independente de crença religiosa de cada um, de acreditarmos na vida eterna, ressurreição ou reencarnação, é fato que a pessoa sempre viverá dentro de nós, pois foi internalizada; seus ensinamentos, suas qualidades e até mesmo seus defeitos se fazem presentes dentro de nós, mesmo que não percebamos. Como a música de um cantor famoso que já faleceu há anos, faz esse cantor permanecer vivo até os dias atuais, a vida e a obra dos anônimos também os fazem permanecerem vivos entre e dentro de nós.
Cabe aos enlutados, no ensejo de reorganização psíquica, fazerem ressignificações, separarem dentro de si o mal do bem, buscarem dar vida às lições positivas que aqueles que se foram ensinaram, e utilizarem as boas lembranças para planejarem de forma mais consciente e racional o futuro, suas relações humanas, afim de que, sejam mais assertivos e humanos em suas vivencias e relações.
Vale ressaltar ainda, a importância da expressão dos afetos no período de elaboração de luto, que os laços entre os que ficaram sejam fortalecidos, que busquem darem e receberem o perdão,  que o amor possa nutrir e curar os corações feridos. A você que lê este breve artigo e que está vivendo uma situação de perdas e lutos. Se não está conseguindo sozinho elaborar bem tudo isso, é importante que você procure ajuda, seja profissional psicológica ou não, pois, viver como um “morto-vivo” é muito mais cruel do que a própria morte.

Escrito por: André Luiz Gonçalves da Silva. Psicólogo Clínico. CRP 06/112291. Mestre em Psicologia Clínica - Psicanálise - PUC / SP. Consultório: ARARAQUARA - SP. Tel.: 16-98156-6087

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